Por Dom Reginaldo Andrietta
O vazio das ruas na hora de um jogo da seleção sugere reflexões. A ansiedade por vitórias, mesmo simbólicas, dá o que pensar.
O ser humano se torna feliz aplacando outros ou colaborando-se? Por que os jogos cooperativos são tão pouco tomados em conta, até mesmo nas escolas, onde, supostamente se ensinam valores?
Por que os meios de
comunicação não lhes dão importância e difundem tanto o esporte competitivo?
A resposta é óbvia. A sociedade capitalista se move pela competição. Nela, o poder é objeto de
luta. Muitos ambicionam o poder do Estado e se perpetuarem nele, mesmo sem legitimidade e
credibilidade popular. As empresas traçam estratégias para influenciarem igualmente o Estado,
abocanharem recursos destinados ao bem público e tornarem-se hegemônicas no mercado.
As
nações também defendem seus interesses em detrimento das demais.
Dessa forma, não se constrói um projeto comum de sociedade. Rejeita-se a contribuição dos
cidadãos, de suas associações e instituições sociais.
Os grupos economicamente influentes se
impõem. O Estado se submete à forma desses grupos jogarem. Cada um defende a si próprio,
contra os demais. Associam-se, no entanto, na defesa de seus interesses corporativos.
Até o
mundo religioso é influenciado por essa lógica competitiva.
O ensinamento de Cristo a esse respeito é iluminador. Ele exortou seus discípulos a não
reproduzirem relações de dominação existentes na sociedade: “Sabeis que os governadores das
nações as dominam e os grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário,
aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro,
seja o servo de todos” (Mt 20,24-27).
O Papa Leão XIII, em sua Encíclica Rerum Novarum (Coisas Novas), de 1891, deu início à crítica da
Igreja, sempre atual, sobre o modelo societário competitivo, afirmando que “os princípios e o
sentimento religiosos desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco,
os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à
mercê de senhores desumanos e à cobiça de uma concorrência desenfreada”.
O que dizer, então, do esporte? Ele é saudável, se praticado de forma cooperativa e lúdica. Sendo,
no entanto, extremamente competitivo e mercantil, dá fluidez ideológica à engrenagem do
sistema capitalista e nutre a cultura da supremacia de uns sobre os outros, favorável aos mais
fortes.
O que ganhamos, então, com vitórias em competições?
Existiria outro tipo de alegria que valha muito mais a pena? Com certeza: a alegria de entrarmos
nos campos reais da vida; jogarmos no time da classe trabalhadora; driblarmos o desemprego, o
salário baixo e as condições precárias de vida; darmos um olé nos que governam para as elites;
marcarmos gols a favor dos socialmente excluídos; e vencermos nosso próprio sentimento de
povo derrotado.
Que tal, então, em lugar de torcermos histericamente por uma taça simbólica, que alimenta
arrogância, acordarmos, enxergarmos e entendermos os desafios de nosso momento político? Ele
é oportuno para retirarmos de campo os que fazem gol contra, mudarmos as regras do jogo, e
podermos, enfim, “jogar solidariamente”, com garra, arte e alegria, em favor do bem comum.
Jales, 05 de julho de 2018.