Conheça neste artigo um pouco sobre a "Desconstrução" idealizada por Jacques Derrida. O texto abaixo é a reprodução literal de trecho de dissertação de mestrado produzida na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul por Prof. Me. Carolli (2017). O texto foi elaborado para ser didático e é destinado à formação do público em geral, especialmente à formação docente.
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A Desconstrução segundo
Jacques Derrida
A
Desconstrução é uma estratégia de análise de textos para
descobrir partes destes que estão dissimuladas e interditam certos
conceitos e pensamentos. Derrida
(1973) apresenta a Desconstrução como uma “estratégia” para a
decomposição da Metafísica logocêntrica ocidental que passa pela
filosofia da linguagem. A leitura desconstrutivista
centra-se na análise textual, porém não
deve ser chamada de método,
pois não pode ser traduzida em uma formulação padronizada para
todas as situações de análise. Sempre partindo da própria
estrutura a ser analisada, a Desconstrução busca evidenciar lacunas
e falhas conceituais, contradições discursivas e a ausência de
lógica nas proposições. Esse processo pode levar à
ressignificação sem necessariamente se compreender que a
Desconstrução se oponha aos discursos:
[...]
Os movimentos de desconstrução não solicitam as estruturas do
fora. Só são possíveis e eficazes, só ajustam seus golpes se
habitam essas estruturas. Se as habitam de
uma certa maneira,
pois se habita sempre e principalmente quando nem se suspeita disso.
Operando necessariamente do interior, emprestando da estrutura antiga
todos os recursos estratégicos e econômicos da subversão,
emprestando-os estruturalmente, isto é, sem poder isolar seus
elementos e seus átomos, o empreendimento de desconstrução é
sempre, de certo modo, arrebatado pelo seu próprio trabalho. [...].
(DERRIDA, 1973, p. 30).
Assim,
na presente pesquisa, a Desconstrução considera a Filosofia, a
Linguística, a Histórica, a Lógica Formal, a Análise de Discurso,
a Análise de Conteúdo e a Genealogia do Poder para buscar a
compreensão amplamente contextual de textos, nos quais pretende-se,
destacadamente, isolar os efeitos do Logocentrismo
nas composições e interpretações textuais, objetivando-se o
esclarecimento de interpretações, tendo por base uma razão que
priorize a interpretação científica dos fenômenos em detrimento
de verdades previamente estabelecidas por discursos tradicionais.
Os binarismos, comumente
presentes no pensamento logocêntrico ocidental, que são muitas
vezes, historicamente apresentados como parte de uma verdade
universal, especialmente após o encontro do antigo pensamento grego
com o Cristianismo, estabelecem pares de termos opostos como “bem”
e “mal”, “homem e mulher”, “contra e a favor” e, mais
tardiamente, “heterossexual e homossexual”, são frontalmente
questionados pela Desconstrução. O binarismo se encontra em muitas
formulações de pensamento que remetem a um “centro” dos
discursos e que hierarquizam, em relação a esse centro, as
diferenças, por oposições de categorias, muitas vezes ficcionais,
pela qual sempre um dos lados é valorizado em detrimento do oposto;
assim, por um efeito de linguagem, torna-se simples e imediatamente
aceitável, para a maioria das pessoas, adotar proposições que
comparam e hierarquizam, sem questionamentos, esses pares. Esses
pares de termos apresentados como opostos imprimem tendências e
viciam conclusões em análises em que estejam presentes.
Muitos binarismos têm origem no
pensamento logocêntrico religioso, que ajudou a moldar diversas
áreas das ciências, especialmente no século XIX, introduzindo
ideias das quais muitas permanecem até os dias de hoje em nossa
cultura. A construção da categoria psicológica e sexológica do
"homossexual" pelos cientistas do final do século XIX, por
exemplo, tentava explicar o que era previamente visto como uma
anomalia. Assim, por influenciar a incipiente ciência da sexualidade
do século XIX, o conceito tradicional logocêntrico de “pecado”
moldou uma pretensa categoria de pessoas e estabeleceu a partir daí
uma norma:
[...]
Uma norma talvez não necessite de uma definição explícita; ela se
torna o quadro de referência que é tomado como dado para o modo
como pensamos; ela é parte do ar que respiramos. Quais são as
implicações desta nova linguagem e das novas realidades que elas
assinalam? Nosso senso comum toma como dado que esses termos demarcam
uma divisão real entre as pessoas: há "heterossexuais" e
há "homossexuais", havendo um outro termo para aquelas que
não se ajustam exatamente nessa clara divisão: "bissexuais".
Mas o mundo real nunca é assim tão ordenado e a pesquisa histórica
recente tem demonstrado que não apenas outras culturas não têm
essa forma de ver a sexualidade humana, como também não a tinham as
culturas ocidentais, até mais ou menos recentemente. (WEEKS, 2007,
p. 62).
É ainda importante notar que
nessa construção um termo se mostra dependente do outro: não se
pode identificar o indivíduo heterossexual sem que se identifique o
indivíduo homossexual e vice-versa, o que evidencia a
artificialidade da construção. Por ser essa divisão binária uma
proposição artificialmente construída, o par de opostos
apresentado apoia-se em si mesmo, ou seja, no próprio discurso, e
não brota de uma realidade analisada. As práticas sexuais nas
modalidades hoje relacionadas a esse par, obviamente, sempre
existiram, mas a classificação de indivíduos nessas categorias
identitárias, presente em sociedades ocidentais, é uma ficção:
não se trata de uma divisão real. A Desconstrução evidencia isso
e assim cai por terra a ideia da necessidade de existência dessas
categorias de pessoas.
Quando
se formula um par de opostos, como o apresentado nesse exemplo, e são
atribuídos significados específicos às partes, promovendo
hierarquizações, tem-se a atuação do Poder por meio do discurso;
assim, a política vigente molda a produção de discursos fazendo da
prática discursiva um instrumento do Poder que atua sobre os
indivíduos (FOUCAULT,
1999).
Como
no exemplo, muitos binarismos partem sempre de um pressuposto para
desenvolver um raciocínio aparentemente lógico, porém de base
artificialmente construída, pré-definida e por isso
discriminatória.
Derrida (1973) defende
a desnaturalização do centro ideológico criado e mantido pelo
pensamento logocêntrico e binarista mediante a Desconstrução de
Discursos para então reconstruir um novo pensamento livre dessa
normalização, que pode partir da análise dos fenômenos e
configurar uma ressignificação.
A Desconstrução de Discursos
também se utiliza da Arqueologia do Saber, percorrendo um caminho
inverso à história e retrocedendo tanto quanto possível na
identificação das origens das proposições e de seus conceitos
componentes para verificar de maneira lógica a validade das
premissas e dos raciocínios.
Por ser um tipo de análise que
pode ser especialmente usada para questionar conceitos apresentados
como imutáveis, “sedimentados” (DERRIDA, 1973), reiterados
historicamente e tidos como verdades absolutas, a Desconstrução se
mostra como um caminho viável a fornecer razões para que haja
engajamento no combate a preconceitos, uma vez que expõe as falhas
nas bases de raciocínios preconceituosos, demonstrando-os como
insustentáveis.
Derrida, sobre o tema, afirma que
“Um dos gestos da desconstrução consiste, em particular, em não
naturalizar, em não assumir que seja natural o que não é natural,
de não assumir que o que é condicionado pela história, pela
técnica, pelas instituições, pela sociedade seja natural.”
(DERRIDA, 2002), ou seja, propõe a Desconstrução para, por
exemplo, demonstrar que discursos que apoiam construções sociais
injustas são artificialmente construídos: não surgem da realidade.
Esses discursos parecem verdadeiros por terem sido constantemente
reiterados, fazendo parte da cultura de maneira tida como
inquestionável e por estarem sedimentados já há muito tempo. Em
face disso e em relação às discriminações quanto à diversidade
de expressão da sexualidade e da identidade de gênero, é
necessário desnaturalizar artifícios discursivos historicamente
enraizados em nossa cultura como o que foi exemplificado, para que a
diversidade de expressão da sexualidade e da identidade de gênero
possa ser reconhecida e não simplesmente tolerada. É possível que
se coloque o questionamento sobre discursos discriminatórios a
partir da Desconstrução ao operar a desmontagem dos textos para
exame de seus elementos formadores e para a identificação de seus
processos constituintes, expondo suas fragilidades lógicas frente à
epistemologia científica atual e frente às suas próprias
incoerências. Pensamentos tradicionais, assim, podem ser revistos e
discursos podem ser reinterpretados; ressignificados.
É
importante que professoras e professores de todos os níveis de
ensino estejam preparados teoricamente para responderem ao desafio do
combate às discriminações nos momentos em que elas emergem no
ambiente escolar. Para isso, discursos preconceituosos, sustentadores
de discriminações de toda ordem, podem ser desconstruídos e, uma
vez entendidos, pode-se deles extrair informações, orientações e,
finalmente, motivos para que se abandonem preconceitos, mantidos
vivos por causa da não revisão de conceitos tradicionais. Assim,
não basta simplesmente afirmar que é preciso combater preconceitos:
é necessário oferecer as razões para que estes possam ser
abandonados.
Esse é um
trabalho que se dá no âmbito da prática social chamada Educação.
CAROLLI, André Luís. Desconstrução de discursos discriminatórios sobre a diversidade de expressão da sexualidade e da identidade de gênero expressos entre alunos e alunas do ensino médio. Dissertação de Mestrado em Educação, 199 p., sob orientação da Profa. Dra. Maria José de Jesus Alves Cordeiro - UEMS. Paranaíba, MS: UEMS, 2017.
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1973.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A vontade de saber. 13 edição. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1999.
______. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Petrópolis: Editora Vozes, 2006.
______. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
WEEKS,
Jeffrey. O corpo e a
sexualidade. In:
LOURO, Guacira Lopes (Org.). O
corpo educado: pedagogias da sexualidade.
2 ed. 3 reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 35-82.
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